A noite avança e a cama chega.
A contragosto mas paciente.
O xixi, os dentes, o pijama, o chocapic afectivo a destempo e redundante.
...E a historinha.
Hoje, uma historinha aleatória já repetida. Como já todas.
Um livro veterano de distantes guerras, sobre as vozes dos animais. Mas acolhido sem reservas.
...Historinha embelezada por precaução, aqui e ali, com uma curiosidade, um comentário e uma graça lançada pelo pai leitor - com sucesso, diga-se....
A certo passo, pergunta o livro "E a ti, o que te faz rir?"...
Inocentemente, os olhos do leitor brilharam, e a única resposta possível acendeu-se na sua mente:"As histórias do papá!" Claro! Evidente.
Os olhos do M. suspenderam-se. Em pensamento. (Em perfeitamente desnecessários segundos de reflexão.)
...Até os seus lábios montarem primeiro um sorriso e depois começarem a articular a resposta.
"Brincar com a S.L.!" ...E os seus olhos iluminaram-se de plenitude.
"Quando andamos a correr na escola" - com a mímica correspondente e um fluxo de pormenores inabalável.
Inocente e desenganado, o pai leitor sorriu também. Solidário no momento de celebração.
Não podendo deixar de pensar para si: "Reposta certa!". Como sempre o seria.
Fútil o ganho de uma vitória, quando comparado com um triunfo de seis anos incompletos sobre a vida triste.
Um preço certo.
24/05/07
O preço certo
22/05/07
Panorama informativo
O rigor, a profundidade, a isenção.
E estou tentado a mais ou menos acreditar. (Que é melhor que o português!, quero eu dizer...)
Mais tablóide, menos tablóide, bom e mau há-de haver em todo o lado, e no ranking internacional alguém será a referência!
Por isso algum espanto quando aqui há tempo vi o spot promocional do Panorama BBC da SIC Notícias. À primeira vista um purgama decentezinho, com a tal chancela de qualidade informativa inglesa, vendido no canal português.
Tudo normal...
...Não estivessemos nós em Portugal, com o jeito especial que temos para asneirar.
É que o spot em questão na SIC Notícias é um autêntico absurdo.
Nuns tons incendiados de vermelho escaldante, imagens choque espreitam e recolhem-se, legendas brancas as seguem, com um off cavernoso a rematar solene algo do género: "Para que algumas coisas não tornem a acontecer..."
Ora, que coisas seriam essas? As superlativamente sinistras "coisas" da História, elencadas em segundos, que há que a todo o custo evitar repetir?
Várias: a "Tortura no Iraque", "Auschwitz", o "Ku Klux Klan", os "Neo-nazis", a "Guerra no Líbano"... E fecha a lista, que mais urge dizer que o purgama passa lá para 4ªfeira, não sei a que horas.
O que me parece é que se calhar o chamariz televisivo precisava de uns retoquezitos - coisa pouca - que o tornassem mais completo.
É que algum espírito mesquinho poderia ler na lista das tais "coisas da História" da SIC uma ligeiríssima tendenciosite (...tendência acompanhada de inflamação!) para focar o que de direita a História apresentou de mais ranhoso, deixando de fora o que as esquerdas possam ter produzido também...
...Numa lista que, completa seria qualquer coisa do género: "Tortura no Iraque", "Auschwitz", o "Ku Klux Klan", os "Neo-nazis", a "Guerra no Líbano", a "Tortura em Cuba", a "Sibéria", o "Weather Underground", os "Neo-anarquistas", a "Campanha do Aço".
Isso sim, talvez uma listinha equilibrada...
Um comportamento cívico e humano com que decerto ganharíamos se uma e outra vez "tornarem a acontecer..."
É o panorama jornalístico.
19/05/07
Imagens de perfeição
E volta e meia lá aparece ele. O gigantone do Bruno Nogueira.
...E não me refiro à campanha para o Millenium-BCP, em que explica como ninguém, com a sua graça singular, que o banco dá asas aos jovenzinhos para que se possam endividar até à crista da moleirinha como fazem os grandes.
Falo da campanha da Superbock Sem Álcool.
É só rir, esta galeria de humor!
Aliás, basta aceder ao site da Superbock para começar logo o humor.
...Naquele ponto em que é perrguntado ao internauta se não preferirá o acesso em "English", em "Español" ou em "Angola".
...Ou naquele outro em que o acesso ao pecaminoso site é bloqueado a menores por um sofisticado processo de validação de idade em que o internauta responde à pergunta se tem "mais de 16 anos" ou não.
Mas é a vertente televisiva que me anda a dar urticária.
Sob a capa do cumprimento de uma legislação da publicidade que é esburacada e permissiva, estes clips publicitários passam em qualquer canal a meio da manhã, da tarde ou da noite.
A qualquer momento do dia televisivo, lá está o "humorista" a papaguear que é "peeeerfeita!" a cerveja que foi pago para vender. Numa campanha extremamente agressiva no número de hits por hora.
É que tenho para mim que aqueles espectadores que pela idade a legislação publicitária pretende proteger de certos anúncios a horas inapropriadas não devem ser muito sensíveis à subtileza da cerveja "com álcool" ou "sem álcool".
Digo eu.
Numa campanha competitiva - a Superbock não pretende de forma nenhuma perder a primazia das vendas de volta para a Sagres!! - que visa como todas arrebanhar e fidelizar bebedores.
Que no "álcool" ou no "sem álcool" serão sempre muito bem-vindos!
A próxima campanha inofensiva já idealizada nestes moldes é a da Marlboro. Com a Floribella. Com vários clips televisivos promocionais, transmitidos a qualquer altura do dia ou da noite..
Como por exemplo a menina desgrenhada, uma manhã, deitada numa cama de casal desfeita, de cigarro na mão; a menina de cabeça enfiada na sanita da casa de banho de uma discoteca, de cigarro levantado numa mão, como Os Lusíadas salvos a nado; ou a menina ao volante sem cinto nem mãos na rodela, a falar ao telemóvel e a comer uma sande de torresmo com a mão com que segura um cigarro com a ponta de dois dedos.
Ponto em comum, o slogan: "É peeeerfeito, o tabaco Marlboro à base de erva cidreira!".
...Mais a tentativa de fazer a Floribella passar por menina - como outros passarem por humoristas.
18/05/07
O Gato Maltês. Toque de piano. Falar francês.
(E se calhar bem. )
Não sou versado em política francesa (...se nem sequer na portuguesa!) e por isso não posso dar grandes sentenças; mas tenho dois olhinhos como qualquer um, e naturalmente a opinião anda-lhes a reboque.
Quando a certeza de "segundas voltas" se afigura, confesso que muito do meu interesse por eleições se dispersa durante as "primeiras". Seja em França, ou não.
Pelo que nem o fantasma Le Pen nem a recordação do inacreditável resultado da primeira volta das presidenciais gaulesas anteriores me mobilizaram grande coisa.
...Primeiro ponto a favor dos franceses: a eles sim.
A eleição mobilizou-os massivamente desde início - como algo que os tocava directa e pessoalmente -, muito para além do que é compreenível a uma sociedade portuguesa papalva e amorfa.
Os eleitores franceses não admitiram a repetição do cromo da FN, descartando-o à partida, rejeitaram o centrão e partiram para a segunda volta.
Em palco: Sarkozy e Royal.
Direita e esquerda. Num cenário histórico ocidental de suposto pós-velório das ideologias.
Por Sarkozy, defendidos os "valores" da França respeitada internacionalmente, da "França aos/pelos franceses", da confiança e respeito individuais, do esforço e sua recompensa, da verdade e da ética - num argumentário tipicamente de direita completado com os valores transversais da solidariedade e do reformismo.
Por Royal, os "pilares" de esquerda do trabalho para todos, do poder de compra, da melhoria da educação, da protecção social, do ambiente, do combate à violência - acrescentados com uma "França, mais forte" (evidente e cautelosamente em último...).
Desprezando a irresponsável e até perversa teoria da "tal" morte ideológica, tomara eu em Portugal, por uma vez, ser confrontado como a escolha de candidatos genuinamente distintos, que para além de se disputarem, se contestassem, se opusessem - como é sua solene obrigação política.
Ao invés de eleições de "Sócrateses" e "Cavacos" que cada vez tornam mais longínqua a probabilidade de umas eleições politicamente adultas e assumidas.
Cada vez mais uma miragem inconcretizável, a possibilidade de cada um se tornar e assumir politicamente aquilo que é.
Mas Sarkozy não só por mero imperativo doutrinário.
Porque é um político com provas dadas - tanto de competência como de inépcia - e que por isso se escrutina.
Uma figura política com um percurso definido e vincado, que por isso se julga.
Uma personagem de carne e osso, de posições, propostas e convicções que não soçobram perante acusações de inconveniência no oceano da "correcção política".
Bem nos bastam as Segolènes portuguesas, versões engenhosas e engenheirosas, em formato Primo-Ministeriais. Primeiro Guterres, depois Sócrates.
Figuras "surpreendentes", políticos de percurso "meteórico" e espírito "fulgurante", invenções mediáticas de uma solução providencial de "democracia" e "modernidade".
Salvadores de uma Nação às mãos dos podres, eternas promessas da Selecção e da República.
Ideias definidas, fora o chavão replicado?... Projectos estratégicos de desenvolvimento?... Perfil mental resultante de uma forma de ver a sociedade e a política?... Nada. Apenas o a postura blasé, de quem tem razão e não passa cartão a mal-vestidos. Apenas o "pragmatismo" que tudo explica, na falta da lógica e da autoridade mediada.
Quando Bernard-Henri Lévy - filósofo esquerdista por quem tenho algum respeito -, no site de candidatura de Segolène, lhe tece elogios fúnebres (...até ver), gabando-lhe o "sangue frio" da eleição e a "dupla batalha" do dentro e do fora do partido, não me convence.
O "sangue frio" de Segolène claudicou frequente e e comprometedoramente até ao debate final; a "dupla batalha" da candidata comprometeu o discurso da confiança dos franceses, da aposta num PS francês que não a mereceu.
Mas acerta quando fala do "frisson nouveau" duma "vieille musique socialiste" moribunda.
Foi uma novidade a aplicação pura e dura à política fancesa de uma 3ª Via - já há muito fora de moda... - esgotadíssima pelos Guterres, Blairs, Shroeders ou Zapateros, esvaziada na essência, enchida com a palha do medidismo casuístico e do discurso redondo.
...E cada vez mais me convenço.
Fora isso, uma eleição que decorreu impecavelmente, com os cidadãos a fazer valer a sua voz.
E as reacções moralmente superiores que vamos estando infelizmente habituadosa ver e a ver branquear, das "vítimas", dos "jovens", dos "resistentes" sociais, que se encontraram contrariados nas suas legítimas pretensões - centenas de carros incendiados, violência, vandalismo, terror urbano, em nome da prevalência da candura sobre a força.
Um dia, outro e outro.
...O novo Presidente francês que parte para Malta para delinear o seu futuro próximo e o do país.
E uma Europa que só tem a ganhar se o gigante francês souber afirmar-se nacional e internacionalmente, ajudando a estabelecer uma aliança europeia entre estados soberanos, fortes e decididos, e não uma cooperativa de indigentes diplomáticos que ao som de uma marcha fúnebre entre o alegre e o soturno vai adiando o seu próprio fim natural.