26/04/08

26 de Abril de 2008


O 25 de Abril passou. E o 1º de Maio também...
(Nesta altura do ano sinto-me sempre como numa espécie de Quadra das Festas Bizarra, em que o Natal da Democracia e o Ano Novo dos Oprimidos replicassem obssessivamente com devoção laica o espírito e os rituais aprendidos - e pretendidos - da semana mística de Dezembro.)

...E com alguma sorte acabou - por agora - a cíclica febril algazarra.

Torna-se-me cada vez mais insuportável assistir ao desfile patético por ruas e corredores das floridas Carcassas da Liberdade, decaídas de figuras-chave de um momento de viragem histórica do País para sombras de si mesmas, autómatas, masturbadoras num círculo de vénias interminável.
Torna-se-me cada vez mais impossível contemplar sem um esgar o friso cristalizado e solenemente absurdo das débeis almas penadas condenadas à aparição primaveril no Parlamento da Nação.


Num País geracional e culturalmente distante em séculos dos acontecimentos de um longínquo 1974 e diantes.
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Mas esta repulsa objectiva que sinto não me vincula à depreciação de um 25-de-Abril-Absoluto.
A minha repulsa não deixa condenar-me ao ostracismo cultural a que a esmo os pseudo-senadores da liberdade sentenciam nesta terra os não-alinhados.

O meu "Abril" não é uma coutada do pensamento; mas exactamente o seu contrário.
Não é um totem, um dogma, um gene dominante. "Abril", a valer a pena, é o seu inverso: uma experimentação, uma vivência, uma opção, um tópico de discussão, um motivo de dissidência, o exercício ilimitado - mesmo que num plano utopista - de uma democracia participada, plural e dinâmica.

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Há no "Abril" uma parte nobre. Única. - Que infelizmente não é a das parrangonas, dos slogans, que não é a do "Abril Folclórico", mas aquela que acredito valer a pena manter-se saliente e viva.

"Aquele" Abril de um povo subitamente confrontado com o papel de redescobrir-se, de se redefinir, de voltar a sonhar, de voltar a desejar por si próprio ser algo a conquistar por si mesmo. "Um" Abril que quem o viveu me contou. Uma e outra vez. E que me inspira.




"Um" Abril, "um" Portugal, de homens grandes - não necessariamente grandes portugueses - que foram a vanguarda dessa redescoberta, da tentativa de redefinição do caminho, do incentivo ao sonho, ao desejo e à conquista.
Homens como agora não há. Para quem o afrontar o peso da História era um risco menor que o de perder a oportunidade de participar na sua construção.



Este, o "Abril" cantável.

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Não o "Abril" dos derrubes e da pilhagem cultural, não o "Abril" da derrota de parte vital de nós mesmos, não o "Abril" unívoco e escolástico, não o "Abril" da produção instantânea de heróis e líderes, não o "Abril" como factura de dívida eterna a homens vivos, não o "Abril" intróito da colonização social, não o "Abril" clube reservado de ingresso encerrado.

Não o "Abril" das passeatas e dos frisos.
Esse, provoca-me asco e distância. E, ainda que não assim verbalizado, também a um País inteiro, que assiste enojado e indolente ao espectáculo diário da celebração do que de pior soubemos preservar do 25 de Abril de 1974, na espera cruel do dia em que o 25 de Abril sebastiânico nos liberte das garras de um Portugal de Abril tornado "deserto do real".

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Quando Sª Exª o Presidente da República Portuguesa faz em sessão solene no Parlamento o número dos Jovens Ignorantes, rebaixa-se a si, à sua condição e papel, aos idiotas partidários que saíram a dar-lhe razão (bem como outros parvos que aí andam...), ao País papalvo que corrobora tudo e nada, e ao próprio conteúdo da sua quasi-pertinente intervenção.

Parece que a Presidência da República (ou seja, eu!) pagou
um estudo à Católica sobre os nossos jovens - assim do tipo "a ver se a Terra roda ou se as galinhas põem ovos" - : uma "Recolha de Informação Sobre as Atitudes e Comportamentos Políticos dos Jovens em Portugal". ...Que entre outras coisas apurava da sapiência dos jovens sobre "o número de Estados na UE", "o nome do primeiro Presidente eleito depois do 25 de Abril" e "se o Partido Socialista dispunha actualmente ou não de uma maioria absoluta no Parlamento" (Maiúsculas da minha autoria!).

Chamo-lhe número - circense - pelo sofisma de uma "descoberta" como esta, pela encenação da sua divulgação na cerimoniazinha afectiva da mofada democracia nacional e pela entourage cúmplice montada com os políticos que louvaram o "interventivo" PR e dele ora mereceram o recado em tom de
centésimo de reprimenda ora porta aberta para se escusarem a culpas.

Porque não digo que não estejamos bem tramados com o terrível nível de ignorância - não de "jovens" mas - dos futuros eleitores e contribuintes desta terra... Basta conferir o registo audio recolhido pela TSF poucos dias depois, numa
sessão no Parlamento destinada a alunos do secundário.
Mas se calhar era mais interessante o PR usar o estudo da Católica para suscitar reflexão sobre o facto de, somadas respostas erradas sobre o número de Estados membros da União, assunções expressas de ignorância e escusas dos entrevistados à resposta, TODOS os portugueses meterem água, em percentagens de 50s a 70s%...

...O que se repete com uma expressão nunca abaixo de 60% sobre o nome do primeiro Presidente eleito após Abril, que afecta TODOS os portugueses, de TODOS os escalões etários...


...E que se agrava no caso do reconhecimento da maioria parlamentar socialista - não nos iludamos: uma pergunta de "sim ou não"! - numa grandeza de asneira nunca abaixo dos 30%!

Uma análise que seria muito gira, porque deslocaria o embasbacamento nacional dos "putos malucos" que "não sabem nada" saídos de escolas que "nada ensinam", para si próprios, cidadãos de um País em que o problema não está no distanciamento entre cidadãos e políticos, mas entre cidadãos e a sua responsabilidade cívica e moral de homens e mulheres adultos.

[Mas o Sr. Prof. Aníbal Cavaco Silva não iria querer hostilizar o sereno povo português, seu eleitor, chamando-o "ignorante", pois não? Os "jovens" é diferente, têm costas largas e miolo ainda tenrinho.]

Se calhar era mais interessante o PR usar o estudo da Católica para suscitar reflexão sobre o facto psicológico de os pré-trintões deste País pensarem que o "funcionamento da democracia" levou um rombo de há dez anos para cá mas que daqui a dez anos a curva da vida democrática disparará, subindo em "V" para um patamar ideal!
(Pelo menos aos "putos" de 15-17 dou o devido desconto por acharem que a democracia está cada vez mais na maior...)

Se calhar era mais interessante o PR usar o estudo da Católica para suscitar reflexão sobre o facto psicológico de todos os níveis etários de portugueses terem pelo menos 1 em cada 5 indivíduos a achar que a sociedade portuguesa só precisa de "pequenas mudanças" para conseguir vingar!...

...Quando saiu o relatório notável da DEMOS sobre a qualidade quotidiana das democracias europeias, que só nos coloca acima da Lituânia, da Polónia, da Roménia e da Bulgária.


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Dou graças a Deus pelo 26 de Abril de cada ano que passa.

E por - com alguma sorte - ver pelas costas a corja temática de lapela engalanada durante mais uns 360 dias. (Que há-de voltar. Que há-de persistir.)
Tantos dias quantos o 25 de Abril de que se fala, o "tal" 25 de Abril de uma vez no ano, há-de ficar outra vez fechado na sua embalagem de fábrica, amachucada, velha, puída, enquanto um e outro o evocará empolgado, mas sem pachorra para o arejar. ...

E o País espera. Pelo dia. Por de novo Abril...
E a carne esmorece.

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