26/08/08

Dezanove Séculos Vos Contemplam


Para os lados da Turquia ocorreu um achado arqueológico.

Quando no fim deste mês
arqueólogos resgatavam à terra a antiga cidade soterrada de Sagalassos, destruída por um terramoto por volta do século VI da Era de Cristo, depararam com o antigo lugar de uns banhosa públicos e neles com uma grandiosa estátua...

...Do imperador Marco Aurélio.

Marcus Aurelius Antoninus Augustus; 26 de Abril de 121 a 17 de março de 180.

Já lhe fiz alusão, em certo post. Imperador, homem, filósofo, autor...
Uma figura relevante na História da Humanidade.

Que agora nos revisita.


E não posso deixar de sentir profundamente que esta chegada acontece inesperada.
Sem aviso, sem preparação, sem sentido.

Quando, dezanove séculos depois, a imagem de Marco Aurélio ressurge do ventre da terra, que contas podemos nós prestar-lhe?
[A ele ou a qualquer outro homem que, não tendo conseguido vencer a lei do tempo, nos tenha deixado a sua presença, as suas palavras, as suas ideias, o seu ensinamento...]
Em que aproveitámos nós, durante dezanove séculos, o caminho de consciência e dever que desbravou?
Em que transformámos nós, hipócritas civilizados e higiénicos, o seu sólido ancoradouro moral? Humano, familiar, social, político...

Muitas vezes regresso à leitura dos Pensamentos de Marco Aurélio.
À sua serenidade, à sua simplicidade, à proposta da plenitude possível numa vida passageira.
Tão diferentes na dignidade das fórmulas de pacotilha para uma vida alegre, que nos sitiam.
Tão diferentes em humildade das sentenças sobre passado e futuro dos pensadores distróficos que nos acossam.
Tão diferentes em generosidade das ideologias informais que cegam os nossos olhos e nos levam titeritados...
...Dezanove séculos depois, tão esmagadoramente intemporais.


Para quem por aqui passe - invariavelmente uma pessoa de quem eu gosto - uma prenda.

Não "de mim". Mas, irrompendo gloriosa de uma pesada terra impotente, da voz de um homem são.

Guia de bolso condensado para consultar avulso, a gosto, a tempo.





Objectivos de Vida
"Não te deixes distrair com os incidentes que te chegam de fora.
Reserva-te um tempo livre para aprender qualquer coisa de bom e deixa-te de vaguear sem rumo. Já é tempo de te guardares duma vida de errância.
Bem loucos, com efeito, são aqueles que, por serem intriguistas, sentem o cansaço da vida e não têm um fim a que dirijam os seus esforços e, para o dizer de uma vez, as suas ideias.
"


A Força do Presente
"Fosse a tua vida três mil anos e até mesmo dez mil, lembra-te sempre que ninguém perde outra vida que aquela que lhe tocou viver e que só se vive aquela que se perde.
Assim, a mais longa e a mais curta vida se equivalem. O presente é igual para todos e o que se perde é, por isso mesmo, igual.
O que se perde surge como a perda de um segundo. Com efeito, não é o passado ou o futuro que perdemos; como poderia alguém arrebatar-nos o que não temos?

Por isso toma sentido, a toda a hora, nestas duas coisas: primeiramente, que tudo, desde toda a eternidade, apresenta aspecto idêntico e passa pelos mesmos ciclos e pouco importa assistir ao mesmo espectáculo duzentos anos ou toda a eternidade; depois, que tanto perde o homem que morre carregado de anos como o que conta breves dias, consistindo a perda no momento presente; não se pode perder o que não se tem."



O Controle do Suportável
"Tudo o que acontece, acontece de forma que naturalmente o podes suportar ou naturalmente o não podes suportar.
Se é coisa que naturalmente és capaz de suportar, não protestes, senão mais depressa deitarás tudo por terra.
Lembra-te, todavia, que és naturalmente capaz de suportar tudo o que de ti depende tornar suportável e tolerável; basta que consideres que é o teu interesse ou o teu dever impor-te esse trabalho.
"



Serenidade da Alma
"C
hamas infortúnio para o ser humano aquilo que não é um obstáculo à sua natureza?
Que queres? Aquilo que te sucede impede-te, por acaso, de ser justo, magnânimo, sóbrio, reflectido, prudente, sincero, modesto, livre, e de possuir as outras virtudes cuja posse assegura à natureza do ser humano a felicidade que lhe é própria?
Não te esqueças doravante, contra tudo aquilo que te possa trazer aflição, de recorrer a este princípio: «Acontecer-me isso não é uma desgraça; suportá-lo corajosamente é uma felicidade».
"


Viver Sempre Perfeitamente Feliz
"Viver sempre perfeitamente feliz.
A nossa alma tem em si mesma esse poder, de ficar indiferente perante as coisas indiferentes. Ficará indiferente se considerar cada uma delas analiticamente e em bloco, lembrando-se que nenhuma nos impõe opinião a seu respeito nem nos vem solicitar; os objectos estão aí imóveis e somos nós que formamos os nossos juízos sobre eles e os entalhamos, por dizê-lo assim, em nós mesmos; e está em nosso poder não os gravar e, se eles se insinuam nalgum cantinho da alma, apagá-los de repente.
"


As Coisas Humanas São Efémeras E Sem Valor
"Pensa de contínuo em quantos médicos morreram, eles que tinham tanta vez carregado o sobrolho à cabeceira dos seus doentes; quantos astrólogos que julgaram maravilhar os outros predizendo-lhes a morte; quantos filósofos após uma infinidade de ásperas disputas sobre a morte e a imortalidade; quantos príncipes depois de terem dado a morte a tanta gente; quantos tiranos que, como se fossem imortais, abusaram, com uma arrogância nunca vista, do poder, a ponto de atentarem contra a vida humana. Quantas cidades, se assim podemos dizer, morreram de raiz: Heliqué, Pompeia, Herculano, e outras que não têm conto! Enumera agora, um após outro todos aqueles que conheceste. Este, depois de prestar os últimos serviços àquele, foi posto de pés juntos no leito fúnebre por um terceiro a quem também chegou a sua vez.
E em tão pouco espaço de tempo! Em suma, as coisas humanas é considerá-las como efémeras e sem valor: ontem, um pouco de greda; amanhã, múmia e um punhado de cinzas. Esta minúscula duração vive-a em sintonia com a natureza e chega ao fim com a alma contente: como a azeitona madura que tombasse abençoando a terra que a criou e dando graças à árvore que a deixou crescer."



O Retiro da Alma
"Há quem procure lugares de retiro no campo, na praia, na montanha; e acontece-te também desejar estas coisas em grau subido.
Mas tudo isto revela uma grande simplicidade de espírito, porque podemos, sempre que assim o quisermos, encontrar retiro em nós mesmos.
Em parte alguma se encontra lugar mais tranquilo, mais isento de ruídos, que na alma, sobretudo quando se tem dentro dela aqueles bens sobre que basta inclinar-se para que logo se recobre toda a liberdade de espírito, e por liberdade de espírito, outra coisa não quero dizer que o estado de uma alma bem ordenada.
Assegura-te constantemente um tal retiro e renova-te nele. Nele encontrarás essas máximas concisas e essenciais; que uma vez encontradas dissolverão o tédio e logo te hão-de restituir, curado de irritações, ao ambiente a que regressas.
"



A Fidelidade a Nós Próprios
"De certo modo, o homem é um ser que nos está intimamente ligado, na medida em que lhe devemos fazer bem e suportá-lo.
Mas desde que alguns deles me impeçam de praticar os actos que estão em relação íntima comigo mesmo, o homem passa à categoria dos seres que me são indiferentes, exactamente como o sol, o vento, o animal feroz.
É certo que podem entravar alguma coisa da minha actividade; mas o meu querer espontâneo, as minhas disposições interiores não conhecem entraves, graças ao poder de agir sob desígnio e de derrubar os obstáculos. Com efeito, a inteligência derruba e põe de banda, para atingir o fim que a orienta, todo o obstáculo à sua actividade. O que lhe embaraçava a acção favorece-a; o que lhe barrava o caminho ajuda-a a progredir
."



"O homem comum é exigente com os outros; o homem superior é exigente consigo mesmo."

Marco Aurélio - Pensamentos
(via Citador.pt)

1 comentário:

H. Sousa disse...

Achado valioso, como o post para nos elucidar e lembrar.