24/06/08

Acabar Com os Ricos I


por lá passei várias vezes e ainda não deve ficar por aqui.
...O Milagre Educativo Português (com maiúsculas à farta, como convém...).
Orgulho pátrio e esperança em amanhãs que cantam.

Portugal confirma que consegue fazer num ano o que países - chamemos-lhes - normais não lograram senão em gerações.

O Partido Socialista e o "Governo" demonstram que sempre estiveram certos e que o galope desenfreado do decisionismo ministerial não só sabia para onde nos levava - o sucesso educativo da nossa gente - como já lá chegámos.

Aleluia e sai da frente!

Ora, porque me lembrei eu disso outra vez?
Por causa daquela invenção europeia do "Robin Hood" de tirar às petrolíferas as lâminas de gordura que criam de parasitar o cliente, e da intenção do Primeiro-Ministro de ir pensar na questão no que toca a Portugal...
É que eles não sabem que por cá isso já acontece há algum tempo.

Tirar aos ricos, dar aos pobres e tal...


Só que fazendo jus à competência que se lhe conhece o sr. Primeiro-Ministro acaba por ser mais um Dennis Moore, à la Monty Python nos anos 70 (episódio 37 da 3ª temporada), que tira não sabe o quê a não sabe quem, já se tendo esquecido no meio da lufa-lufa do próprio porquê do tirar e do repartir.


Por exemplo na Educação - cá está! - o robinismo deste "Governo" está patente em toda a glória e esplendor.

Perante uma situação como a de 2005 - com "mais de dois terços dos alunos do nono ano" a chumbar no exame de Matemática - ou como a de 2007 - com maus resultados obtidos pelos 1º e 2º ciclos em aspectos centrais de Língua Portuguesa - o "Governo" interveio leonino e anulou as disparidades sociais implícitas nos números.

clicar p/ aumentar - fonte: Relatório Pisa; 2006 ( a ler!!... )


"- Ai o Pisa d
iz que as condições familiares do aluno têm influência no sucesso?"
Pimba!, nivela.

Resultado: em 2008 o Milagre Educativo Português é tangível.
Nas Provas de Aferição de Matemática do 1º e 2º Ciclos os resultados negativos cairam para menos de metade e as Provas de Língua Portuguesa, não vindo de tão baixo, também arrebitaram.
Seguiram-se os Exames Nacionais de 9ºAno de Matemática e de Português, a que os alunos chamaram um figo.
Por fim, nos Exames de 12º Ano, os alunos repetiram o disco: "que tinha sido com uma perna às costas"!

Robin Hood à solta: levar a todos consoante o seu legítimo desejo.


Claro que há sempre uns chatos - como eu, como outros professores que não gostam de ser papados por lorpas, e muitos cidadãos atentos - para quem tudo tem sempre de fazer um custoso sentido.
(Como se não bastasse já a quem compete produzir resultados maçar-se a produzi-los, ainda teria mais sobre os seus ombros o pincel de explicar ao vulgo a metafísica das suas maravilhosas concretizações...)

...E não faz sentido absolutamente nenhum uma coisa muito singela que salta à vista do observador mais tapado: se as variáveis do jogo educativo se mantiveram - quase - intactas de umas provas para outras, os resultados não teriam condições para uma alteração radical do mau para o óptimo.
Elementar.

Nas escolas continuamos a ter os mesmos alunos com qualidades e vícios, provindos de uma mesma sociedade virtuosa e viciada também ela (na calha da degradação progressiva), trabalhando com os mesmos professores (alguns elevados entretanto à categoria celeste de Titulares), nos mesmos locais, sob as mesmas condições (ah, claro!, agora há uma molhada de computadores que podemos como escravos transportar do cofre para as salas...), à volta dos mesmíssimos programas (...passíveis de beatas "adaptações curriculares"), durante os mesmos anos lectivos, com o mesmo empenho de sempre da parte das criancinhas...

(Houve de permeio para aí uma "medidas" fabulosas do Ministério da Educação, houve, mas lá irei.)

Explicação razoável e empiricamente provada: foram os instrumentos de avaliação que, calibrados de forma diferente, permitiram produzir disparidades gratuitas de resultados!

Dizia agora o Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática sobre a Prova de Aferição da disciplina deste ano - cujo enunciado considerara já publicamente "elementar" e "ridículo" - que "ninguém sabe comparar os resultados das provas, porque estas têm sido feitas com critérios e com graus de dificuldade diferentes, pelo que não é possível chegar à conclusão de que os alunos estão melhores assim como não é possível concluir que estão piores" (dando aqui a ironia um claro benefício à casa!).

Com os papás (não Encarregados de Educação a sério com que tive o privilégio de trabalhar, mas as CONFAPs e que tais...) a pedir já explicações, um tira-teimas por exemplo através do confronto das notas do M(ilagre do) E(nsino) P(ortuguês), com as classificações da frequência das disciplinas pelos alunos!
(O que, pessoalmente, acho que tanto pode ser esclarecedor como enganador - é que o MEP já enraíza os seus braços fundos em muitas instâncias há muito tempo...)

Idem aspas sobre o Exame de 9º Ano de Matemática, considerado "o mais fácil de sempre"...

...Ou sobre os Exames de Matemática A e B do 12º Ano; cuja excessiva facilidade se encontraria "abaixo do nível do programa".
Diz de novo a Sociedade Portuguesa de Matemática que
«uma questão do grupo III "poderia ser abordada numa aula do 9.º ano e resolvida por considerações de simples bom senso", enquanto outra do grupo II "pouco ou nada avalia em termos matemáticos, testando apenas a destreza no uso da calculadora"».

...Pela primeira vez na memória ficam as declarações bizarras dos alunos que saindo das provas as achavam "mais fáceis que os testes" realizados à disciplina durante o ano!



Mas do mesmo se queixou a Sociedade Portuguesa de Química, tendo criticado a existência de "questões extremamente elementares" no exame nacional de Física e Química A, e declarando depois da sua realização: algumas perguntas "exigem apenas que o aluno saiba ler".

E nem os exames de Português de 12º Ano escaparam.
Críticas também, ainda que não pelo prisma da facilidade, pela crónica falta de acerto do Ministério da Educação nas questões apresentadas e na concepção da prova - por exemplo, desta vez, com referências à zombie-TLEBS que não deveriam ter surgido.



Uma festa.
Para a Ministra, perfeitamente normal.

Pouco interessa que da razia de asneira se passe à razia de flores. As duas anómalas e injustificáveis.
Antes, os alunos pobres de espírito, de vontade ou de oportunidades tendiam a ficar marginalizados por um ensino mainstream que não lhes dava resposta cabal.
Agora caiu sobre eles, mas também sobre todos os outros, o maná equalizador.
O sucesso não "pode" ser de todos, "é" de todos - quase mesmo dos que se recusem a alcançá-lo.
Para acabar com a dificuldade de atingir patamares, destroem-se os patamares.
E onde ontem existia a meta de um resultado - injustamente para alguns uma miragem - hoje não há nada. Não há motivo, não há pretexto, não há propósito para que alguém queira transcender-se e ir a um mais além que é já aqui.

Eis o Dennis Moore-Robin Hood acéfalo.
De cujos actos se retira um proveito nulo.

O caminho para onde vamos
O que no fim nos espera.

...E muitos, muitos portáteis.

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