" 'Taí o Rock in Rio, cara!... "
Lá vai o povileu em apinhada romaria para o Parque da Bela Vista, rockódromo de Lisboa por excelência, confirmando a grave crise financeira das famílias portuguesas...
...Há coisas assim.
Mas em abono da verdade o cartaz deste ano, como o de anteriores, chama ao palco públicos de (quase) todos os gostos, todas as idades e disposições.
A quem já são dadas consideráveis condições logísticas de espaço, restauração e saneamento para que os urbanos visitantes possam disfrutar da ilusão de um festival de Verão fora do Verão, no campo em plena capital, um Woodstock higiénico, confortável e segurinho.
Após o serão com a cabeça de cartaz Amy Winehouse, toda a gente percebeu que o clímax tinha sido atingido.
O clímax do dia, da semana e dos festivais musicados do País que venham a acontecer até à minha velhice.
Depois daquilo, está tudo visto.
De talento, de sucesso e de disparate.
A artista londrina de 24 anos passou por todas aquelas fases tradicionais dos artistas com história, o "fazer pela vida", o sujeitar-se às regras das editoras, o compor as suas cantigas solitária e perseverante, o golpe de asa, o reconhecimento.
Alcançou o patamar dos 10 milhões de dólares antes dos 30 anos e na última edição dos Grammy recebeu apenas 5 - Melhor Artista, Melhor Gravação, Melhor Álbum Pop, Melhor Canção e Artista Revelação.
O que vai daí para a frente é um longo rosário de uso de drogas, de uso de álcool, de tentativas de desintoxicação, de comportamentos erráticos e de tristes figuras.
Não se pode ser insensível à doença e ao sofrimento.
O que me parece grotesco é continuar a glorificar comportamentos desviantes, destrutivos, providos de senso ou inteligência, louvando quem os tem, sem ser capaz de uma palvra se não de censura de transtorno e de reparo.
Amy Winehouse acumula problemas do foro psicológico, alcoolismo, toxicodependência, depressão, distúrbios alimentares, comportamento doméstico violento contra si e contra outros, que só a própria demência de um público fútil justifica ignorar...
Pagar-lha, assistir-lhe em público.
Aplaudi-la e amá-la.
Tal foi o caso da sua "actuação" no Palco do Mundo do Rock in Rio-Lisboa.
Uma Amy Winehouse cambaleante, de voz entaramelada, que não cantou, não tocou, que caiu em palco e se emocionou com a visão da sua própria debilidade espiritual, aplaudida efusivamente por uma numerosíssima assistência acéfala, que no final se manifestou para câmaras radiante por ter assistido "àquilo".
Não faz sentido termos embarcado - carneirinhos - na onda da Higiene-ASAE, do jogging-fitness na Praça Vermelha e em Copacabana, do IVA dos ginásios, do banhinho tomado e da unhinha cortada, dos homens-novos de cara lavada e ideário engomado que não transpiram (porque não existem), adulando nós ao mesmo tempo em magotes delirantes comportamentos abomináveis, tão glamour, tão fashion.
Se calhar a explicação é mesmo essa: desde que o produto venha embrulhado com laçarote e brilhantes, o vulgo PAPA TUDO.
Sem excepção.
Dependendo exclusivamente do embrulho.
Mas era boa ideia abrir a pestana.
(Nisto, como noutras coisas.)
Porque não entremos em jogos de palavras...
Uma Amy Winehouse drogada ou bêbeda em palco - ou fora de palco, sob os holofotes, ou no aconchego do seu lar arreando no marido entre duas doses disparadas para aveia - é um exemplo abominável para uma legião de jovens consumidores sedentos de gasto.
Ponto!
Se à semelhança dos seus avós, nos 60s, os jovenzinhos endeusam débeis viciados de mente fraca necessitados de ajuda, elevados por um marketing eficaz a eventuais líderes espirituais, a gurus de comportamento, a diferença é que não só hoje estão forrados com dinheiro para a satisfação de todos os seus caprichos de consumo como a "mentalidade" tinha obrigação de dar sinais de mudar.
Não é por nada que as Nações Unidas - que não mexem uma palha quando toca a ofender alguém... - já puxaram as orelhas a vedetas como Winehouse ou Kate Moss pelo péssimo exemplo que deram, dificultando a tarefa no terreno de quem genuinamente se preocupa com a saúde, o bem-estar e o futuro dos jovens, para lá da sua carteira.
E há que ter coragem.
A responsabilidade é demasiado grande.
Quando a SIC, patrocinadora do Rock in Rio, faz uma vergonhosa cobertura que branqueia a vergonhosa exibição de Amy Winehouse, fugiu à sua.
Validar que a intoxicada estrela musical "não [estava] vocalmente nas melhores condições" é reles.
Afirmar que o miserável desempenho da pobre artista "faz parte da actual imagem da mais controversa figura da pop actual" não é menos que ordinário.
...Dizer que a dada altura da referida "actuação" "o público [começou] a aquecer aos poucos" ou é gozo ou enfardanda palha televisiva.
Não teve a coragem de outros media - esses não patrocinadores do "Rock".
(Para conferir: )
É necessária coragem para dizer que a dependência de substâncias é uma doença.
É uma fragilização da mente e do arbítrio.
É semente de desestruturação da personalidade e de ruptura com a sociedade.
A dependência grita necessidade de socorro e não urgência em ser aceite, apoiada, glorificada ou copiada.
Seja ela de quem for. Máquinas de fazer dinheiro ou não.
Juntarmo-nos, unirmo-nos, aplaudirmos, celebrarmos...
Mas pela salvação de corpos e almas, não pela exibição grosseira a que só faltam o vómito e o chuto.
É preciso ser consequente e intransigente com a tendência para a inconsciência geral.
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