27/06/08

Simiesco


Só lhe consigo achar piada durante meio segundo.
Depois, é só repulsa; nojo.

Li já há dias no
Perspectivas sobre algo de uma dimensão que me tira do sério.
Não posso dizer que me tenha surpreendido - sequer que tal aconteça sob a capa do silêncio conivente de uns media com poder e sem responsabilidade - como leitor constante deste blog tenho acompanhado de perto esta e outras monstruosidades pelo mundo fora, num espaço na net cada vez mais configurado em espécie de Observatório do Absurdo...
Bem-haja o O.

Ao que parece,
o Parlamento Espanhol aprovou uma Proposta de Lei que prevê conceder aos símio alguns Direitos Humanos. (Para os mais cépticos, a confirmação no El Mundo e o texto integral.)


Se quisermos podemos já começar pelo fim. Pelas "contra-alegações".

Quando alguns deputados socialistas espanhóis - sem a maioria dos quais o Parlamento Espanhol jamais enveredaria nesta (e noutras) cavalgada(s) - sacodem a pressão dizendo estar a ser arrastados para uma polémica que não existe, não conseguem iludir o que é evidente.
Quando afirmam que
"se trata de conservar uma espécie, nunca falando de assemelhar direitos de grandes primatas com humanos", estão a fugir à responsabilidade dos seus actos.
Porque não estamos a brincar ao "salvem a pardaloca-careca de Silves" ou ao "não destruam o habitat do lobo-de-três-pernas da Godinheira".

Primeiro, ao associarem-se os senhores deputados do PSOE aos seus colegas da
Esquerra Republicana-Izquierda Unida-Iniciativa per Catalunya Verds e ao Proyecto Gran Simio, estão a perfilhar com o seu ar composto e sério uma mescla de demagogia, cienticismo de pacotilha e delírio remanescente da doideira da viragem do século.

Quem vá ao site do Great Ape Project ("GAP" para os amigos...) pode ler que desde 1994 os senhores exigem (sic) "a extensão da comunidade de iguais a todos os grandes primatas: humanos, chimpanzés, bonobos, gorilas e orangotangos[,] uma comunidade moral na qual são aceites princípios morais básicos ou direitos nas relações com os outros, garantidos por lei."
(E eu que pensava que esta malta era tão contrária a "comunidades morais"...)

Ou seja, eu e um gorila somos iguais.
Logo, eu tenho de respeitá-lo como respeito uma pessoa.
Logo, ele como é meu "igual" está disposto a respeitar-me como eu o respeito a ele.
Sexta convido-o para ir lá a casa...
...Sábado convida-me ele.

Isto é uma brincadeira. Que roubando tempo à discussão de coisas sérias e urgentes torna esta gente criminosamente cúmplice na falha da sua resposta.



Segundo, não é debalde que o parlamento de uma nação confere direitos a animais que até agora só reconhecia a seres humanos: preservação à tortura, vida e liberdade.

A partir do momento em que a bicheza veja reconhecidos por lei estes Direitos, de imediato eles conflituarão perante a Lei e a Ética com os dos Humanos, seus inesperados iguais.

Qual a liberdade que deve merecer mais rápida intervenção? A da macacada por esse mundo fora ou a de humanos em cativeiro? - porque a diplomacia não pode chegar a todo o lado ao mesmo tempo. (Só se se negociar a liberdade em pacotes de desconto: humano+chipanzé+gorila pelo preço de um...)
Qual a vida a salvar em caso de concorrência? Pergunta honesta e resposta eventualmente sinistra à luz da Lei.

Estaremos todos loucos?


Brincar assim com os Direitos Humanos não é fruto de amor franciscano pelas alimárias, é ou mero pasto de bestas - elas sim - que ignoram que o Sagrado não estica ao infinito e que quando tudo o é nada acaba por sê-lo, ou campo de recreio para fanáticos encapuzados apostados em desarticular pela base o edifício cultural de um Ocidente já arrastado pelas vielas de uma rameira globalidade.

Vai-se abrindo de par em par a porta para o futuro radioso em que nenhum obstáculo se oporá à nova Ordem do Senhores do Pensamento: nem Nações, nem Religiões, nem Ideologias, nem Laços entre indivíduos, nem Sexos, nem Idades, nem Traços Distintivos do que é o próprio Homem.
Campo aberto para um libertário Mundo Novo, insensibilizado e dócil.


Gosto muito de bichinhos. (Mesmo fora do prato.)
...Ou mais ou menos, pronto!
E até acho os macaquinhos muito parecidos connosco... (Excepto naquela parte de atirarem cócó às pessoas... Mas isso deve ser por causa das más condições prisionais...)


Mas estou disposto a bater-me fisicamente por que tal absurdo em Portugal nunca veja a luz do dia.

Não antes pelo menos de ver essa generosidade igualitária levada às últimas consequências.
Numa Espanha (ou arredores) os grandes primatas terem todos direito à vida, à liberdade, à segurança, à saúde, à educação, à propriedade, à associação, a votar e a ser eleitos, a frequentar locais públicos, a conduzir, a casar, a trabalhar, a ter porte de arma,...

Não nunca antes disso.

Mas cheira-me que este esquema de venda de livros não está interessado em ir tão longe, desde que lhe vá dando para os gastos e mais uns trocos.

Porque há muita gente pronta a ser papada por espertalhões por esse mundo fora.
Sempre.
Muitos cegos apostados em também não ouvir.

1 comentário:

Anónimo disse...

Ainda bem que publicaste este porque vou voltar à carga sobre o assunto.