18/04/07

Gato por lebre

O Gato Fedorento anda cada vez mais na boca do mundo.

Não obstante a desvalorização em bolsa que vão sofrendo semana a semana, como que tocados pela maldição da mediocridade da (actual) RTP, sei que semanalmente lá estou eu, a peneirar aturadamente o cascalho da "Espécie de Magazine" - não encontrando senão uma "espécie de pepitazita" aqui e ali, para amostra.

É o que há cá na terra,
pronto... paciência. E não será mau de todo.

Mas a sua meteórica mediatidade das últimas semanas decorreu, não de qualquer nova lufada de génio televisivo, mas do raid nocturno do felino a um cartaz plantado na mais movimentada praça lisboeta.
Um cartaz do PNR em que o mal-estar nacional dos nossos dias vazava pelos poros da propaganda fácil contra os imigrantes.

Sem deixar cair a bola no chão, os bichanos decidiram esgalhar um cartaz de réplica ao original, fizeram-se caracterizar e fotografar, fizeram-no compor, imprimir e afixar, pagando do seu bolso (segundo se disse...) um cartaz-sósia do original, postado mesmo ao seu lado para chacota geral.
Tudo no intervalo de uma semana...

Lembrei-me disso neste Domingo, ao serão, ao dar mais uma vez uso à peneira.
Os Gatos aludiam sem cessar ao canudo da Farinha Amparo do senhor Pinto de Sousa e eu fazia contas de cabeça...

O Primeiro-Ministro manteve o seu esfíngico silêncio uns vinte dias ("silêncio", porque os socialistas não têm "tabus"!) antes de se dignar falar... a "espécie de sátira" aconteceu no programa do fim-de-semana seguinte, mais quase meia-dúzia de dias... o que dá uma engonha dos miaus de quase um mês, desde a vinda a lume das notícias dos canudos do senhor Pinto até ao pegarem na deixa!
(Numa paródia, aliás, inofensiva, digna de meros gatinhos de colo!)

Eu entendo perfeitamente que a onda nacional seja a de bater no ceguinho do PNR ("ceguinho" porque Deus Nosso Senhor não lhe deu mais vista que aquilo...). Ele foi Governo e oposição, foram sindicatos, Câmara de Lisboa, num côro politicamente correcto e apatetado, contra algo que logo se previu que estaria ao abrigo da lei que confere aos cidadãos o direito de dizer as anormalidades que lhes apeteça, conquanto não a fira - como o PGR evidentemente veio confirmar.

Mas era capaz de jurar que há aqui uma discrepanciazita entre a dificuldade de se mexerem para denunciar as deformações de personalidade do senhor Pinto de Sousa numa antena semanalmente escancarada sobre o País e a presteza de parir um outdoor daquele tamanho - coisa para valentes horas de parto - para bater caprichosamente no ceguinho (inválido), o que se propuseram fazer espontânea e diligentemente.

Porque entendamo-nos.
O cartaz do PNR só pode ser visto como um abuso democrático se fôr levado a sério (e tanto deve ser assim visto como assim levado)...
...Na medida em que o do Gato seja levado a sério também.

Humores à parte, não sei onde está maior "parvoíce".
Se na mensagem estapafúrdia mas politicamente legítima de "acabar com a imigração", se na mensagem satírica de "com os portugueses não irmos lá".
Passível de mil interpretações diferentes, "com os portugueses não irmos lá" é uma tirada infeliz, que não querendo ser nacionalista acaba não sendo sequer patriótica, que chega aos olhos dos portugueses numa fase difícil da vida em comum de um País congestionado, uma tirada chacoteira que atinge mais "os portugueses" referidos - diminuídos na sua capacidade -, do que os populistas visados, que agradecem a publicidade de uma dupla visibilização do seu monótono cartaz.
(...E refira-se, de passagem, a escandaleira constitucional que não seria qualquer outdoor que proclamasse "socialismo é parvoíce", ou "comunismo é palermice", ou "social-democracia é estultice", ou "democracia-cristã é lorpice", ou "lá-aquela-coisa-que-é-o-BE é sandice"!!!)

E ficou por dias decorado o Marquês com duas "espécies de anomalias".
Entre a destruição do cartaz - legal - do PNR e a remoção compulsiva do cartaz - ilegal - do Gato, pouca história fica.
Apenas a de um segundo cartaz do PNR,
que insiste em vender a sua pílula.
Certeiro na defesa inquestionável do seu direito à expressão, mesmo que em sacrifício do elementar bom-senso, que desmonta a falácia das "ideias" que não se podem "apagar" pela simples razão de não existirem!

O que é relevante é este novo duplo fenómeno.
O dos comediantes-políticos, totalmente novo em Portugal, e para o qual prevejo um tristíssimo fim.
E o dos Gato como novos pioneiros cívicos do Rectângulo à beira-mar.

O humor genuíno sempre incomodou os poderes fátuos.

Mas o humor de perfil, timming e propósitos selectivos arrisca-se a ser tão perigoso como os perigos que "zurze". A ser ainda mais ínvio e condenável que eles.
Arrisca-se a ser uma versão pós-moderna no humor de uma modernice que já campeia na política: a dos Homens Novos, dos cátaros, dos novos Iluminados que se opõem a uma velha tradição decadente (de que são eles parte integrante!).

Pode ser que não seja nada.
Pode ser que eu me engane.
Mas é bom não nos esquecermos de que esta lebre da democracia que hoje parece que o País segue com frenesi, não é senão o que é: um Gato.

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