18/05/07

O Gato Maltês. Toque de piano. Falar francês.

Os franceses votaram. Os franceses escolheram.
(E se calhar bem. )

Não sou versado em política francesa (...se nem sequer na portuguesa!) e por isso não posso dar grandes sentenças; mas tenho dois olhinhos como qualquer um, e naturalmente a opinião anda-lhes a reboque.

Quando a certeza de "segundas voltas" se afigura, confesso que muito do meu interesse por eleições se dispersa durante as "primeiras". Seja em França, ou não.
Pelo que nem o fantasma Le Pen nem a recordação do inacreditável resultado da primeira volta das presidenciais gaulesas anteriores me mobilizaram grande coisa.

...Primeiro ponto a favor dos franceses: a eles sim.
A eleição
mobilizou-os massivamente desde início - como algo que os tocava directa e pessoalmente -, muito para além do que é compreenível a uma sociedade portuguesa papalva e amorfa.
Os eleitores franceses não admitiram a repetição do cromo da FN, descartando-o à partida, rejeitaram o centrão e partiram para a segunda volta.

Em palco: Sarkozy e Royal.
Direita e esquerda. Num cenário histórico ocidental de suposto pós-velório das ideologias.

Por Sarkozy, defendidos os "valores" da França respeitada internacionalmente, da "França aos/pelos franceses", da confiança e respeito individuais, do esforço e sua recompensa, da verdade e da ética - num argumentário tipicamente de direita completado com os valores transversais d
a solidariedade e do reformismo.

Por Royal, os "pilares" de esquerda do trabalho para todos, do poder de compra, da melhoria da educação, da protecção social, do ambiente, do combate à violência - acrescentados com uma "França, mais forte" (evidente e cautelosamente em último...).

Desprezando a irresponsável e até perversa teoria da "tal" morte ideológica, tomara eu em Portugal, por uma vez, ser confrontado como a escolha de candidatos genuinamente distintos, que para além de se disputarem, se contestassem, se opusessem - como é sua solene obrigação política.
Ao invés de eleições de "Sócrateses" e "Cavacos" que cada vez tornam mais longínqua a probabilidade de umas eleições politicamente adultas e assumidas.
Cada vez mais uma miragem inconcretizável, a possibilidade de cada um se tornar e assumir politicamente aquilo que é.


E o que mim houvesse de francês votaria Sarkozy.
Mas Sarkozy não só por mero imperativo doutrinário.

Porque é um político com provas dadas - tanto de competência como de inépcia - e que por isso se escrutina.
Uma figura política com um percurso definido e vincado, que por isso se julga.
Uma personagem de carne e osso, de posições, propostas e convicções que não soçobram perante acusações de inconveniência no oceano da "correcção política".

Nunca Segolène. Segolènes nunca.
Bem nos bastam as Segolènes portuguesas, versões engenhosas e engenheirosas, em formato Primo-Ministeriais. Primeiro Guterres, depois Sócrates.
Figuras "surpreendentes", políticos de percurso "meteórico" e espírito "fulgurante", invenções mediáticas de uma solução providencial de "democracia" e "modernidade".
Salvadores de uma Nação às mãos dos podres, eternas promessas da Selecção e da República.
Ideias definidas, fora o chavão replicado?... Projectos estratégicos de desenvolvimento?... Perfil mental resultante de uma forma de ver a sociedade e a política?... Nada. Apenas o a postura blasé, de quem tem razão e não passa cartão a mal-vestidos. Apenas o "pragmatismo" que tudo explica, na falta da lógica e da autoridade mediada.

Quando Bernard-Henri Lévy - filósofo esquerdista por quem tenho algum respeito -, no site de candidatura de Segolène, lhe tece elogios fúnebres (...até ver), gabando-lhe o "sangue frio" da eleição e a "dupla batalha" do dentro e do fora do partido, não me convence.
O "sangue frio" de Segolène claudicou frequente e e comprometedoramente até ao debate final; a "dupla batalha" da candidata comprometeu o discurso da confiança dos franceses, da aposta num PS francês que não a mereceu.
Mas acerta quando fala do "frisson nouveau" duma "
vieille musique socialiste" moribunda.
Foi uma novidade a aplicação pura e dura à política fancesa de uma 3ª Via - já há muito fora de moda... - esgotadíssima pelos Guterres, Blairs, Shroeders ou Zapateros, esvaziada na essência, enchida com a palha do medidismo casuístico e do discurso redondo.

...E cada vez mais me convenço.

Fora isso, uma eleição que decorreu impecavelmente, com os cidadãos a fazer valer a sua voz.
E as reacções moralmente superiores que vamos estando infelizmente habituadosa ver e a ver branquear, das "vítimas", dos "jovens", dos "resistentes" sociais, que se encontraram contrariados nas suas legítimas pretensões - centenas de carros incendiados, violência, vandalismo, terror urbano, em nome da prevalência da candura sobre a força.
Um dia, outro e outro.

...O novo Presidente francês que parte para Malta para delinear o seu futuro próximo e o do país.
E uma Europa que só tem a ganhar se o gigante francês souber afirmar-se nacional e internacionalmente, ajudando a estabelecer uma aliança europeia entre estados soberanos, fortes e decididos, e não uma cooperativa de indigentes diplomáticos que ao som de uma marcha fúnebre entre o alegre e o soturno vai adiando o seu próprio fim natural.



Sem comentários: