16/07/08

Em Exame - O Resgate da Tropa Fandanga

(...Sim, Ainda...)




O Mundo é redondo.
O meu e o nosso.

E as ideias e os factos rodopiam numa órbita que - se estivéssemos totalmente despertos - nos serviriam de bandeja o confronto e o contraste entre todas as coisas que passaram e todas as que acabarão por vir.

"Exames Nacionais do Ensino Básico?"
"O Resgate do Soldado Ryan!"




Em 1998, um filme esmagador de Spielberg - ainda na memória de todos - contava a história real do Capitão Miller (Tom Hanks), do seu 2º Batalhão de Rangers, do épico Desembarque Aliado na Normandia a 6 de Junho de 1945 e de uma bizarra missão recebida no cenário de combate.

O resgate para a segurança do lar de um jovem soldado, James Ryan, que o Estado Maior Americano decide devolver aos braços da dolorosa mãe...
...Que perdera sucessivos, na torcionária Guerra Mundial, os seus outros três filhos.



Com o que de absurdo tal encerra.

Como se conciliam na cabeça de homens comuns o propósito violento e glorioso de desembarcar na Europa Continental para derrubar o exército nazi e o propósito benévolo e banal de correr a paisagem francesa à procura de um homem para salvá-lo?
Como se conciliam na cabeça de homens comuns a salvação imperiosa da vida de um homem e o risco da vida de todos os outros oito que o procuram?

- Tensões de um grande argumento. -


"O Resgate do Soldado Ryan?"
"Exames Nacionais do Ensino Básico!"

Segundo o Ministério, todos os dias nesta terra de Deus 170.000 professores abordam as costas da Educação em "higgins" apinhados, tensos e inquietos, numa moderna Normandia.
...Com o equipamento e o treino considerados adequados, adivinham que nem um nem outro garantem o sucesso da sua perigosa missão, aguardando nas frágeis barcaças oscilantes que rasgam o espaço o sinal do desembarque e do confronto...

Cada professor, inseguro, impotente, vulnerável, expectante, obriga-se a confiar a sua vida aos camaradas de armas - que sabe poderem falhar sob a pressão, sob o cansaço, sob o medo, como ele próprio - e numa Providência abstracta cujas regras dificilmente entende, única entidade que pode no último momento poupá-lo ao holocausto.

Todos os dias mais de 170.000 professores galgam em corrida e adrenalina os passadiços tombados sobre a água baixa das praias da Educação.



...Na esperança infundada e inconsciente de ganhar ali a batalha que lhe cabe - e outra, e outra, que se lhe seguirão - de uma Guerra Total em que se joga a Nação, em que se joga o futuro, mas que sente que depende menos de si que de estratégias traçadas na segurança de uma qualquer secretária no conforto de um qualquer gabinete.


E há uma personagem exemplar que para mim se evidencia neste drama: o soldado Daniel Jackson (Barry Pepper).
Atirador furtivo do batalhão de Miller, homem de fé e alma de filósofo.


Quando os oito errantes cruzam os campos da Normandia na busca absurda de um homem a quem vão dar as melhores e as piores notícias da sua vida, Jackson não pode deixar de manifestar ao seu comandante a estupefacção que tem dentro de si sobre os desígnios de um destino caprichoso que não controla.



Jackson reconhece o seu dom divino para a guerra.
Mas não percebe como pode qualquer Força Superior colocá-lo logicamente e ao seu dom natural no local mais improvável para o aplicar.
Numa situação em que aquele aparentemente se torne mais banal e inútil.

"Como seria diferente se o seu dedo certeiro pudesse premir o gatilho infalível não em plena paisagem campestre do litoral de França mas em Berlim, na direcção de um Hitler cuja morte, num segundo, ditaria o fim da Guerra e o reinício da História..."

Este diálogo, é tido em grupo. Em marcha. À laia de um discurso peripatético numa academia grega.
Sobretudo entre Jackson e o capitão Miller. Que numa deliciosa coincidência - e para estupefacção dos seus homens e do público - era... professor na sua anterior vida civil.

Jackson expande o seu raciocínio sobre o absurdo que une aqueles homens, numa sequência absurda também ela mas enternecedora.
Em que parece que Miller regressou à sua sala de aula, com aqueles homens ferozes-por-fora pela mão.
Pedindo-lhes uma opinião que adivinha paciente que não será a mais acertada, reforçando Jackson a desenvolver o seu pensamento, observando a correcção da exposição, chamando todos os camaradas a contrapor, e os mais incrédulos à partilha da aprendizagem daquele momento...
Superior, cúmplice, humano.



Quando os professores portugueses partem para missões absurdas diárias como os Exames Nacionais, fazem-no como missão. Que não contestam. Que cumprem.
Como sempre.
E pagam-se da simples felicidade do regressar...

Sujeitos ao risco e à solidão.
À incerteza e à frustração.

Sentem que excluídos das razões de quem ordena não são mais que um utensílio. Meio para um fim misterioso.
Que são carne para canhão. Matéria-prima à pazada numa prensa ou num caldeiro, revolvida e requentada.

Sentem que valem mais que isso.
Que são um recurso apoucado. Que por estupidez ou maldade se mantém subnutrido.
...Conscientes de ser pilares de uma força poderosa que sustenta o bem comum.

Há os que chegam. Os que vão. Uns que se perdem. Os que tombam.
Como em campo de batalha.

Uns dias Jackson - lúcidos e inconformados - outros Miller - serenos e repetindo-se que têm de segurar responsáveis os fiapos de uma manta que não o é.

A Educação.
E a paz?

Com uma curiosidade: os professores portugueses, devido à humidade atlântica, esquecem-se muito amiúde que estão no meio da guerra.

O que frequentemente é fatal.
Para si e para quem está à volta.

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