30/09/06

O que é que está a dar no outro?

Era uma vez um um spot televisivo sobre as mortes na estrada, que mostrou (mais uma vez) como somos um País de tristes.

Partiu do princípio de que andamos todos a dormir em relação à sinistralidade rodoviária há décadas e que só através da comunicação choque se consegue despertar consciências (duas premissas corectas!) - como se faz aliás nos países a sério...

Definiu depois que um spot sobre criancinhas seria mais eficaz na obtenção desse efeito choque. (Claro!, como não?)

Enquadrou depois a mensagem com o ícone de um avião, usado em primeiro lugar como quantificador e em segundo como referencial simbólico (ineludível) da catástrofe humanitária em transporte civil - que fornecia o mote para "o" avião que "todos os anos cairia nas estradas portuguesas cheio de crianças".

No final, foi barrado com um texto que acompahava as imagens da lógica descrita.

Ora, como distraído que sou e cansado que ando, julguei noutro dia ter tido uma branca de audição quando o tal spot me passou ao de leve, mais uma vez, pelos ouvidos enquanto vegetava no sofá ao fim do dia.
Era capaz de jurar que tinha faltado alguma coisa... Mas o quê?
E prometi-me que da vez seguinte lhe prestaria a atenção que me permitisse matar o bicho da curiosidade!
E confirmei-o.

Pelos visto (como fui apurar) tinham sido vários os incomodados sociais que logo à saída do spot se insurgiram contra a sua natureza, o seu teor e a sua construção.
A Prevenção Rodoviária Portuguesa, que o achou uma inutilidade e desperdício de fundos - uma vez que considera, com base em números, campanhas destas totalmente inúteis -, a TAP e muitos dos ligados ao transporte aéreo, que o apelidaram de incorecto e alarmista - nunca "caiu um avião" em Portugal, muito menos só com crianças, e não é a altura histórica e cultural ideal para se jogar com o terror aeronáutico dos destinatários do spot - e
muitos comentadores polivalentes, pelas mais variadas razões.

O que é certinho é que o spot que inicialmente rezava

"Todos os anos cai um avião cheio de crianças em Portugal. É este o número de crianças vítimas da velocidade nas estradas portuguesas. Este ano ajude-nos a evitar a tragédia. Reduza a velocidade.",

diz agora

"Um avião cheio de crianças. Todos os anos, é este o número de crianças vítimas da velocidade nas estradas portuguesas. Dá medo de andar na estrada, não dá?... Reduza a velocidade."

Conclusão: satisfeita a birra farisaica da "queda do avião" que não caiu, das "crianças no dito" que lá não entraram, do "não morrerem tantas crianças por ano como as que preencheriam aquele avião" (sim, sim, a argumentária foi diversa...), ficámos com um spot capado por razão nenhuma, supostamente menos básico, mas na verdade idiota na precisa medida do "Dá medo de andar na estrada, não dá?...".

Gostava do primeiro. A sério.
Era uma banhada, pois era. Mas era um spot simples, intencional e penetrante (na ressalva de que nem todo o coiro é penetrável!).
Digo eu...

Mas agradeçamos aos intelectuais a luz que derramam sobre a nossa simpleza de ignorantes.

4 comentários:

Anónimo disse...

catástrofe humanitária! é uma expressão contraditória, não será "catástrofe humana"?

Anónimo disse...

...de resto 100% de acordo.

Pedro_Nunes_no_Mundo disse...

Então o "humanitário" não faz sentido?...
Não sejamos tão severos.

(Ainda que qualquer pessoa goste de vez em quando de uns tautaus!...)

Anónimo disse...

1º que tudo os meus parabéns pelo blog!! gostei muito e voltarei.
de resto concordo contigo, às vezes somos uns tristes...

:)