"Quem se mete com o PS, leva!", ficou escrita na história a sentença, para miséria do socialista Jorge Coelho.
Mas quem tenha memória deve regularmente voltar atrás e retomar palavras e actos que emolduram palavras e actos recentes de homens de responsabilidade e no-los ajudam a entender.
Conta-se a simples história de dois Antónios, polícias dirigentes sindicais, reformados compulsivamente pelo Ministério da Administração Interna em iguais duas penadas.
Primeira.
A história de António Cartaxo, que no dia 11 de Novembro de 2003, depois do atropelamento mortal do Chefe da PSP Armando Lopes, por um automóvel em fuga com três suspeitos de um assalto em Lagos que furou uma barreira policial à entrada da ponte de Vila Real de Santo António, disse no Algarve aos órgãos de comunicação:
"As nossas propostas têm sido rejeitadas por políticos iluminados que alegam a inconstitucionalidade do uso de lagartas [de pregos, de paragem], preferindo-se arriscar a vida dos agentes policiais em nome de valores menores protegidos por alguma cobardia política".
Terá também acusado o então Director Nacional da PSP de ter "perdido a vergonha" e de não interessar "nem para mandar nos escuteiros" em resposta ao dito Director Nacional que o acusara publicamente de "aproveitar-se" da situação gerada pelo incidente e de "chorar lágrimas de crocodilo" pela morte do colega.
Segunda.
A história de António Ramos, que numa vigília contra a perda de direitos laborais dos agentes de polícia a 08 de Setembro de 2005, disse ao microfone da SIC:
"Se o anterior Primeiro-Ministro foi para Bruxelas, mais depressa este vai para o Quénia" - referindo-se às férias de José Sócrates - depois de acusar o Primeiro-Ministro de não respeitar as forças de segurança e de estar a tentar virar a opinião pública contra os agentes da PSP.
Ambos foram reformados compulsivamente no âmbito de processos disciplinares levantados na sequência destas declarações.
De acordo com as declarações do secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna, José Magalhães, "pode fazer-se um sindicalismo combativo mas cumprindo a lei, o que é a regra na PSP, mas havia uma excepção de alguém que se julgava em imunidade".
"Foi aplicada a lei consoante a gravidade da ofensa". Rematando : "O Estado não se pode demitir da sua autoridade".
Ora, não confundamos objectividade com opiniões.
Lá que tenha sido aplicada a lei no seu âmbito, alcance e tramitações, é fácil de aferir à luz do Regulamento Disciplinar da PSP.
Mas outra coisa é ser aplicada a lei "consoante a gravidade da ofensa" ou "O Estado não se demitir da sua autoridade".
Porque o "Estado" sou eu também. Sou eu que o pago, eu que o apoio, eu que o constituo e sou também eu que pretendo ver preservado.
E não tenho a certeza de pensar da mesma maneira que o Ministro António Costa sobre o "respeito pelo Estado" e a sua "imposição".
Para mim não é líquido que o "Estado" saia reforçado por ter posto na prateleira dois sindicalistas desbocados.
Dois profissionais, dois homens que representam outros iguais a si e que são a sua voz de descontentamento pelas revoluçõezinhas ministeriais que o Governo tem em marcha.
Mais. Dois homens que pelas funções que têm, mais vezes, em mais locais, de forma mais aberta têm a possibilidade e a obrigação para com os seus companheiros de pôr na rua o que sentem diariamente na pele todos eles.
"Quem se mete com o PS, leva!" Não me esqueço dessa.
E quem se mete com um Governo PS?... Ou com um Ministro PS?... Ou quem abertamente põe em causa as opções e linhas de rumo do PS?... Leva também? É melhor calar-se ou parar antes de começar a dizer ou fazer o que lhe possa sair caro?
É que eu não vejo o "Estado" a incentivar todos os empregadores a este rigor extremo sobre os sindicalistas ou representantes dos seus assalariados que lhes faltem ao "respeito" à porta da fábrica.
Nem o vejo sequer com vontade ou capaz de generalizar esta prática a todos os Ministérios, impondo este extremo rigor a todos os sindicalistas ou representantes de classes profissionais que faltem ao "respeito" ao "Estado" (médicos, juízes, advogados, ...).
Antes me parece que alguém quis usar estes dois homens como exemplo. "Não querem levar? Não se metam connosco!".
Uma estratégia tão arbitrária como impotente e inconsequente.
Não se acredita que duas reformas compulsivas decretadas dois anos e oito meses e dez meses depois das respectivas ocorrências fortaleçam um Estado cada vez mais hostil aos olhos dos cidadãos e digno da desconfiança e do atrito.
Não se percebe bem que nestas situações, nestes contextos, nestas circunstâncias, estes agentes tenham sido penalizados como outro que tivesse abusado de autoridade, cometido crime contra o Estado, encoberto criminosos, favorecido o descaminho de armamento, praticado crime de furto, roubo, burla, abuso de confiança, peculato, suborno, coacção ou extorsão, aceitado lucros em resultado do lugar que ocupa, abusado habitualmente de bebidas alcoólicas, consumido ou traficado estupefacientes, ou tivesse sido cúmplice de qualquer crime, comportamentos passíveis de igual pena.
Não se percebe bem que nestas situações, nestes contextos, nestas circunstâncias, estes agentes tenham sido penalizados com uma punição disciplinar "especialmente aplicável nos casos em que se conclua pela incompetência profissional ou falta de idoneidade moral para o exercício das funções".
O que se conclui daqui?
O que pode um dia esperar alguém que abertamente critique o Ministério que o tutela?
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