Eis a questão. Ser e não ser.
O Referendo do Aborto tem questão formulada: «Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?».
Tendo sido enviada pelo Presidente da República ao Tribunal Constitucional para análise, mereceu a aprovação dos juízes que o constituem.
Mas a questão levanta questões.
Em primeiro lugar, "a" questão em si.
Mesmo dispensados juízos de valor, é relevante que a questão colocada aos portugueses a 11 de Fevereiro sobre IGV e legislação associada seja rigorosamente a mesma do referendo de há oito anos atrás.
Dificilmente evita a crítica fácil da "água mole em pedra dura", segundo a qual o que se pretende (ainda que legitimamente...) com este referendo, não é senão massacrar a sociedade com um mesmo assunto, um mesmo "dilema" com as mesmas saídas, macerá-la com um mesmo processo e com uma mesma questão, até que, por exaustão, a resposta dos eleitores acaba um dia por ser diferente e satisfaz a facção de opinião que usou os recursos do Estado para uma vitória privada.
Em segundo lugar, a aprovação da questão no TC.
A questão referendária foi aprovada por maioria, assentando o acórdão que a valida no voto de sete juízes, contra outros seis que votaram derrotados.
Estes números resultam na aprovação (repito-o) da mesma questão de há oito anos atrás, acrescentada a curiosidade de que a votação no TC é igualmente um decalque da de 1998: sete votos contra seis.
O que acumula na falsa "particularidade" deste referendo, cada vez mais um desmentido de que a "sociedade" se tenha "transformado" (tenha "evoluído"!...) tanto nestes oito anos que uma nova consulta popular sobre o assunto era inevitável.
Em terceiro lugar, a essência da questão.
...Contaminada tanto na forma como no conteúdo.
Se alguém se recorda da polemicazita do Referendo à Constituição Europeia, recorda-se que na altura houve divisão entre "especialistas" sobre a pergunta a referendo - a memorável "Concorda com a Carta de Direitos Fundamentais, a regra das votações por maioria qualificada e o novo quadro institucional da União Europeia, nos termos constantes da Constituição para a Europa?".
O Tribunal Constitucional (sim, o mesmo...) acabou por considerar em acórdão, "que a Proposta de realização de referendo sobre a Constituição para a Europa [não respeitava] os requisitos de clareza e de formulação da pergunta para respostas de sim ou não exigidos, [havendo] a junção de três questões numa só fórmula de resposta única, [...] atenta a exigência constitucional e legal de o mesmo dever ser formulado de modo unívoco e explícito, sem ambiguidades".
Pior!... O TC deixava suspeições no ar...
"Podemos afirmar [...] que, tal como formulada está, a pergunta em causa escamoteia ou faz um «encapotamento» da finalidade que nela se contém, ou seja, questionar, e só, se concorda com a Constituição para a Europa".
Mas perante a proposta de questão referendária "Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado", o Tribunal Constitucional não foi tão lapidar (como já há oito anos não o fôra!).
Usando as palavras do referido acórdão, no ponto 8, não será lícito considerar que também neste caso "o cidadão eleitor não é levado a formular um juízo de ponderação global, [...] apontando nesta direcção a circunstância de estarmos perante três questões que não têm entre si qualquer relação de dependência, podendo subsistir cada uma delas e fazer sentido sem a(s) outra(s), sem que, portanto, a concordância ou não concordância do cidadão eleitor quanto a uma das questões se repercuta na concordância ou não concordância quanto às demais"?
Explico.
Não é possível ser-se favorável à "despenalização da interrupção voluntária da gravidez" genericamente considerada?
...E estar-se ao mesmo tempo contra a despenalização da IVG "nas primeiras 10 semanas"?
Ou estar em concordância com ambas as primeiras e discordar da formulação "opção da mulher"?
Ou apoiar todas elas e rejeitar frontalmente a "penalização" de mulheres que interrompam a gravidez "em estabelecimento de saúde não legalmente autorizados"?
Era disso que falava o acórdão ao afirmar que "A interpretação da pergunta no sentido de nela se conterem três questões autónomas compromete a exigência constitucional e legal de que seja formulada para uma resposta de sim ou de não".
Porque "cada uma das questões, por si só, pode conduzir quer a uma resposta de sim quer a uma resposta de não, colocando o cidadão eleitor perante a dificuldade de saber como votar quando a resposta não for a mesma para todas as questões que lhe são postas. Hipótese em que somos levados a concluir que a pergunta abre espaço para soluções matizadas, quando o princípio da bipolaridade ou dilematicidade impõe que a pergunta, devendo ser respondida por uma afirmativa ou uma negativa"!!
Desta vez o TC não "[considerou] que a proposta de realização de referendo [...] não respeita os requisitos de clareza e de formulação da pergunta para respostas de sim ou não exigidos".
O que é estranho. E grave.
Até porque "a mera possibilidade de se atribuir mais do que um sentido à pergunta põe em causa a exigência de intelegibilidade ou compreensibilidade e clareza dos quesitos referendários, cuja razão de ser é 'evitar que a vontade expressa dos eleitores seja falsificada pela errónea representação das questões'".
E aqui temos um bom argumento... para quem?
27/12/06
Falar Claro - II
Continentes à Deriva
Porque Não...,
Sociedade da Nação
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1 comentário:
não me agrada tecer comentários em certas áreas. esta é uma delas.
mas escandaliza-me a boca cheia de vento do fazer e do ouvir de certa campanha e que, aberta, confundirá
a honestidade com e o cumprimento de um dever...ou manipulação? mais um embrulho de natal. mas as renas já levaram o pai natal e esta será de quem a apanhar...
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