04/12/06

O Capuchinho Vermelho

Era uma vez uma menina que vivia numa casinha isolada, na orla da floresta, com a sua mãe.

Um dia a mãe deu-lhe um capuchinho vermelho. Que a menina experimentou em ânsia e nunca mais largou.
Passaram mesmo a confundir-se, a menina e o capuchinho vermelho. Que a um aproveitava os passos da
juventude vigorosa e do outro tomava emprestado um nome que não era o seu.
E nunca mais se puderam separar.

Certo dia, o Capuchinho Vermelho encaminhou-se para a flloresta. A menina ficou deslumbrada. Com um cenário que nunca conhecera na pacatez da orla da floresta.
Nessa floresta havia um lobo. Que a habitara desde sempre.

O
Lobo encontrou a menina e disse-lhe - Olá! Queres fazer uma corrida? A menina respondeu - Não sei... Porquê? - Porque é o que os lobos fazem!, respondeu o Lobo. - Anda! Corremos até àquela casa e quem lá chegar primeiro come a velhinhna que lá mora! A menina sorriu com o disparate que o lobo disse.

Mas num segundo o Capuchinho Vermelho deu um salto em frente e começou a correr sem olhar atrás.
No seu encalço seguia o Lobo. Que não mostrava qualquer interesse em disputar com a menina a chegada à casa.

Quando o Capuchinho Vermelho chegou à casa, bateu à porta. - Não está ninguém... Afirmou a menina. - Abre a porta e entra, ordenou o lobo. - Está escuro, disse a menina. O Lobo pousou-lhe a pata peluda no ombro e deu-lhe um pequeno empurrão.

O Capuchinho Vermelho entrou.
Estava muito escuro e a menina respirou com dificuldade o ar pesado e bafiento. - Não vejo nada, disse como pedido de ajuda ao Lobo. - Espera um segundo, e verás. O Lobo estava de braços cruzados, imóvel, atrás da menina, que esbracejava como nadadando, tentando descobrir com as mãos o que os seus olhos não viam.

De repente, o Capuchinho Vermelho começou a vislumbrar sombras, contornos, uma figura deitada na cama, a poucos metros.
A menina aproximou-se devagar da cama e o Lobo saiu da sua posição de estátua para segui-la pé-ante-pé, de braços estendidos, como que com receio que ela caisse para trás.

Ao lado da cama, a menina parou. - Vá!, podes comê-la! Ofereceu o Lobo. Mas a manina não percebia o que ele queria dizer com aquilo. - Vá!, come-a!, insistia o Lobo.

Mas nessa altura a menina já perdera a noção do que a levara àquela casa e observava com curiosidade o Lobo, como se pela primeira vez o visse. - Porque é que tu tens uns olhos tão grandes?, perguntou a menina. O Lobo, desconcertado, não desarmava, - Capuchinho, come-a!, anda!... Mas a menina, já a perdera.
O Lobo sentia-se a ficar sem paciência. - Tu não me ouves? Come-a!! Mas a menina continuava - Porque é que tu tens umas orelhas tão grandes?, e o Lobo não queria crer no que lhe estava a acontecer. - Porque é que tu tens uma boca tão grande?...

Naquele momento, a menina fizera a pergunta errada. A única que não poderia ter feito, antes de comer a idosa.
O Lobo abriu a bocarra e enguliu de uma vez a menina, a quem ninguém poderia valer.
No segundo seguinte, abriu de novo a bocarra e bocejou.
Colocou a touca de dormir na cabeça, afastou a roupa da cama, deitou-se, aconchegou os cobertores e adormeceu.


1 comentário:

Anónimo disse...

não peguei nele até agora esperando que alguém o fizesse. as metáforas, as histórias para crianças, tudo na sua dimensão tão particular e no entanto tão geral... talvez seja um papão que já não existe para a maioria mas ele aí está. azar que o único capuchinho que se conhece é vermelho... mas o poder não tem cor embora haja poderes e poderes. e dizer que as coisas mudaram, que tudo está mais à mão, do conhecimento de todos, bom... enfim. achei a analogia, a metáfora ou o que lhe terás chamado, uma obra de arte. parabéns mais uma vez.