14/02/07

A caixa que mudou o mundo

Desde os seventies que a vida deixou de ser como era.
Com o advento do microondas, o fluxo espaciotemporal sofreu uma deformação cujos resultados espirais se sentem e expandem ainda hoje.
Antes: comprava-se, cozinhava-se, comia-se, sobrava, ia fora. Fluxo contínuo linear.
Depois: compra-se, cozinha-se, guarda-se, compra-se, recozinha-se, come-se, guarda-se, requenta-se, recome-se, evita-se que vá fora. Fluxo descontínuo, irregular, paradoxal e infinito.

E posta para trás das costas a limitação do espaço e do tempo, a ficção tomou conta das nossa vidas.
Em todos os domínios.

Quando recentemente, a 14 de Fevereiro, o senhor Secretário de Estado da Educação propalou a notícia de que
as "Aulas de substituição contribuíram para baixa nas faltas de professores", inscreveu-se no fluxo irregular das notícias de microondas.

Dizia o cavalheiro - que menos não é que tal! - que "a introdução das aulas de substituição contribuiu para a baixa em 40 por cento do absentismo dos professores"; ainda que seja apenas "mais um elemento" a juntar a "outros dados adicionais".

Ora, para quem não andasse a dormir, esta fora exactamente a notícia de três dias antes.

O Público
noticiara que "Os professores estão a dar menos faltas. O absentismo dos docentes baixou para metade desde a entrada em vigor das aulas de substituição"...
(Notícia, atenção!, de relevância tal que remetia para a sua fonte avalizada: o Jornal de Notícias; que por sua vez perorara com amplitude das vantagens e desvantagens das aulas de substituição.)
...Como, três dias antes também, o Portugal Diário fizera saber que "Os docentes terão faltado menos desde que estão em vigor as aulas de substituição".
(Que também citara o JN, acrescentando que aquele já citara "uma fonte do Ministério da Educação"!)


Cozinha, come, guarda, cozinha, come.

O que até seria interessante, se o Jornal de Negócios de 7 de Novembro do ano passado já não tivesse publicado uma entrevista com a senhora Ministra da Educação, a que apensara o sugestivo título "
Faltas às aulas dos professores caem 40%".
Em que tratara o mesmo tema, na mesma perspectiva, com os mesmos números, na época em que a "notícia" ainda era notícia.
(Tão bem o sei, que me mereceu na altura uma postadela.)

Cozinha, come, guarda, cozinha, come, guarda, regorgita, requenta, come, guarda.

Perdidos neste labirinto sem início nem fim, sem etapas nem percurso, os senhores do Ministério da Educação erram num vácuo em que a forma de ocupar o seu espaço é dilatar-se no tempo, seja à custa de motivos salientes, seja à custa de servir tópicos ultracongelados prontinhos para os pouco exigentes que os queiram lambar.

Em vez de se empanturrarem e aos outros com esta espécie de enfardadura de microondas, com esta fast info, que não dá saúde a ninguém, aconselhar-se-ia a inclusão neste cardápio mistela do Ministério da Educação de uma coisinha mais gourmet.
...O cliente aprecia.
Sei lá, coisinhas com uma apresentação mais cuidada, com uma preparação um pouco mais amadurecida, com um ingredientezito qualquer mais sofisticado, adicionado um condimento qualquer um pouco mais exótico.

Por exemplo, retomar aquela história levantada por Francisco Louçã - que de tão mal explicada a todos interessaria repescar - que dava o senhor Secretário de Estado da Educação, Valter Lemos, a ter perdido o mandato no executivo da Câmara de Penamacor em 1993, por causa do seu absentismo.

Aquela história que o senhor Secretário de Estado rebateu e "deu por encerrada" ao apresentar "
uma certidão passada pelo presidente da Câmara de Penamacor de que não consta nos arquivos camarários qualquer perda do seu mandato de vereador."

Aquela história em que a Câmara de Penamacor reconheceu em comunicado que "
o executivo chegou a declarar a perda de mandato do agora Secretário de Estado da Educação e então vereador Valter Lemos na reunião camarária de 7 de Dezembro de 1993".
E que o senhor Secretário de Estado Valter Lemos contestou, uma vez que "viria a ser declarada nula por não terem sido cumpridos determinados requisitos formais como a notificação e a audição do vereador". Isto é, que na "secretaria" conseguira ver anulada.
Mais: que o senhor Secretário de Estado Valter Lemos contestou, alegando que "não lhe podiam ter sido marcadas faltas porque tinha suspendido o mandato em Outubro de 1993". Isto é, de Outubro a Dezembro de 1993, período em que incorrectamente lhe teriam sido marcadas faltas, ter-se-iam realizado tantas ou tão poucas reuniões que teriam ditado a sua perda de mandato.
Pois...

Uma história com muito mais tempêro que isto.
Já que "
formalmente, Valter Lemos não perdeu o mandato por excesso de faltas, pois o respectivo processo não foi organizado", aliás, "deixou de exercer o cargo na sequência de um pedido de suspensão de mandato [que] também não terá respeitado a lei", que neste momento ninguém sequer sabe onde pára, em que acta ficou registado ou sequer "quando foi aceite pela autarquia" - no que aparenta ser um caso grave de amnésia colectiva aguda.

É só uma sugestãozinha gastronómica que deixo.

Mas, fora as pobrezas de espírito do Ministério da Educação, as notícias são animadoras.
Se graças às aulas de substituição (dito assim por alto) os professores estiverem a faltar 40% de 40% de 40% do que faltavam, é óptimo para a Nação.
Como dizia um Primeiro Ministro que Deus tenha em descanso, "É fazer a conta..."

1 comentário:

dia-a-dia disse...

Eh, pá! Isso dá muita hora extraordinária cá para o nosso lado!

:D

Olha, "guterrada", por "guterrada", venha o diabo e escolha...

Dá-le!

:D