17/03/07

"A malta é jovens"...

Sim, sim, é um post gigantesco. Mas quem tem coragem de ir ao retrato?...

"Os Jovens: essa população de aparecimento recente.

Para se transmitir, a aprendizagem tradicional não encontrava necessidade de separar durante anos os seus destinatários do mundo. Com a escolarização em massa, a própria adolescência deixou de ser um privilégio burguês e tornou-se uma condição universal.

Descontracção da ganga por oposição às convenções de vestuário, BD por oposição a literatura, rock por oposição a expressão verbal, a «cultura jovem», essa autêntica escola, afirma a sua força e a sua autonomia: como prova acabada, o sistema próprio de comunicação, bastante autónomo e predominantemente clandestino, veiculado pela cultura rock, para quem a emoção leva a melhor sobre a palavra, a sensação triunfa sobre a abstracção da linguagem, os ambientes sobre as significações elementares e numa abordagem racional, todos os valores estranhos se sobrepõem aos critérios tradicionais da comunicação ocidental e lançam uma cortina opaca, levantam uma defesa impenetrável às tentativas mais ou menos empenhadas dos adultos. Quer se oiça ou se toque, de facto, trata-se de se sentir «cool» ou de se libertar.

Assente nas palavras, a cultura em sentido clássico tem o duplo inconveniente de envelhecer os indivíduos dotando-os de uma memória que ultrapassa a da sua própria biografia, e de os isolar, condenando-os a dizer «Eu», isto é, a existir enquanto pessoas distintas. Através da destruição da língua, as guitarras abolem a memória, o calor da emoção substitui a conversação, o confronto dos seres independentes; em êxtase, o «Eu» dissolve-se no Jovem.

Esta regressão seria perfeitamente inofensiva, se o Jovem não estivesse hoje por toda a parte: bastaram duas décadas para que a dissidência invadisse a norma, para que a autonomia se transformasse em hegemonia e para que o estilo de vida adolescente mostrasse a sua via ao conjunto da sociedade.

A moda é o jovem; o cinema e a publicidade dirigem-se prioritariamente ao público dos quinze aos vinte anos; mil estações de rádio, quase todas com o som da mesma guitarra, a felicidade de liquidar a conversação. E está aberta a caça ao envelhecimento: enquanto que há menos de um século aquele que ansiava pela sua ascenção estava obrigado a lançar mão de todos os estratagemas para parecer mais velho do que era na verdadade, nos nossos dias, a juventude constitui um imperativo categórico de todas as gerações.

Uma neurose expulsa outra, os quarentões são os «teenagers» prolongados; quanto aos Anciãos, não são honrados em virtude da sua sabedoria (como nas sociedades tradicionais), não em virtude da sua seriedade (como nas sociedades burguesas) nem em virtude da sua fragilidade (como nas sociedades civilizadas), mas apenas e só se souberam manter-se jovens de espírito e corpo. Em resumo, já não são os adolescentes que, para escapar ao mundo, se refugiam numa identidade colectiva, é o mundo que corre desesperado atrás da adolescência.
Consiste nesta inversão a grande revolução cultural pós-moderna.

Que malefício se abateu sobre a nossa geração, fazendo com que, de súbito, se começassem a olhar os jovens como mensageiros de não se sabe que verdade absoluta? Apenas um delírio colectivo pode ter-nos feito considerar como mestres depositários de todas as verdades rapazes de quinze anos.

O terreno estava preparado e pode dizer-se que o longo processo de conversão ao hedonismo do consumo levado a cabo pelas sociedades ocidentais culmina hoje na idolatria dos valores juvenis. O Burguês está morto, viva o Adolescente! Um sacrificava o prazer de viver pela acumulação de riqueza; por uma igual impaciência perante a rigidez das normas morais e as exigências do pensamento, o segundo deseja, acima de tudo, divertir-se, descontrair-se, fugir pelo lazer às obrigações escolares, e por isso a indústria cultural encontra em si a forma de humanidade mais rigorosamente conforme à sua própria essência.

O que não significa que a adolescência se tenha tornado, por fim, a mais bela idade da vida. Outrora negados como povo, os jovens são hoje negados como indivíduos. A juventude é doravante un bloco, un monólito, uma quase-espécie. Já não se pode ter vinte anos sem aparecer de imadiato como porta-voz de uma geração «Nós, os jovens...»: os colegas atentos e os papás embevecidos, os institutos de sondagens e o mundo do consumo pretendem em conjunto a perpetuação deste conformismo e que nunca ninguém possa exclamar: «Tenho vinte anos, é a minha idade, não é o meu ser, e não deixarei ninguém encerrar-me nessa determinação.»

E os jovens são tão menos propensos a transcender o seu grupo etário, a sua «bio-classe », quanto todas as práticas adultas encetam, para se colocar ao seu nível, uma cura de desintelectualização: é verdade que na Educação, mas igualmente na Política (observe-se a competição pelo poder dos partidos, procurando «modernizar» o seu look e a sua imagem, a sua mensagem, enquanto se acusam mutuamente de ser «velhos de mentalidade»), no Jornalismo (não confessava o animador de um programa televisivo de informação que devia o seu sucesso aos espectadores de «menos de quinze anos apaparicados pelas mães»?), na Arte e na Literatura (de que muitas obras-primas estão já disponíveis, pelo menos em França, sob a forma «breve e artística» de clip cultural), na Moral (como o testemunham os megaconcertos humanitários em mundovisão) e na Religião (a julgar pelas viagens de João Paulo II).

Perante o resto do mundo, a população jovem não defende apenas gostos e valores específicos. Mobiliza áreas cervicais que não as da expressão linguística. Conflito de gerações, mas também conflito de hemisférios diferenciados do cérebro (o reconhecimento não verbal versus a verbalização).

A batalha foi acesa, mas aquilo que hoje apelidamos de comunicação, atesta-o: o hemisfério não-verbal acabou por triunfar, o clip levou a melhor sobre a conversação, a sociedade tornou-se enfim adolescente.

E, mesmo não sabendo aliviar as vítimas da fome, conseguiu encontrar, aquando dos concertos pela Etiópia, o seu hino international: We are the world, we are the children. Nós somos o mundo, nós somos as crianças
".




Alain Finkielkraut; La défaite de la pensée, Une société enfin devenue adolescente; Gallimard, 1987 (texto adaptado)

Traduzido mal e porcamente por este vosso criado...

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