Escolher o blue pill mas assumi-lo.
Não mudo uma vírgula ao que dizia o meu primeiro post sobre o assunto do aborto. Em Dezembro.
E a minha opinião pessoal sobre como as coisas correram, dá-la-ía hoje de novo, repetida palavra por palavra.
Agora, o balanço do referendo...
Foi uma tristeza a "necessidade" com que se apresentou o referendo aos portugueses e a facilidade com que o engoliram como solução.
Foi uma tristeza a "campanha" do aborto, que não correu com civilidade nem decência, apesar da doce náusea niveladora de agora se dizer que sim.
Foi uma tristeza o "civismo" demonstrado pelo populacho votante, que não exerceu como devia o seu dever democrático; repita-se o contrário quantas vezes se repetir, o mero decréscimo de 98 para cá não alivia a culpa de uma vergonhosa abstenção de 56%.
Foi uma tristeza a performance do Referendo, figura que jogava a sua última cartada e nem assim se impôs a uma Nação de pasmados; ao não conseguir legitimar a sua própria existência, referendo de "quase 50", um "quase vinculativo", não passou daquilo que era: o terceiro do pleno três, três referendos a que os portugueses chamados, viraram costas e fugiram.
É o triste País que somos.
Mas mais que triste, odiosa, é a tentativa beata pós-referendo resultado, de arregimentar portugueses, pô-los todos de mãos dadas, seguidinhos lado a lado, celebrando em comunhão a vitória do progresso, festejando a liberdade, os direitos das mulheres e a solução conquistada.
E eu não vou por aí. Não vejo motivo de festa, liberdades nem progressos, direitos ou soluções.
Uma coisa é o respeito pela vontade popular, outra coisa bem diferente é deixar-se converter, formatado em cristão-novo, e de um momento para o outro deixar de ver como absurdo para descobrir maravilhas na usura do aborto. E ceder a uma miragem politicamente correcta do consenso da vitória.
Não me puxem para aí.
Posto em termos corriqueiros: quando os libertadores das vontades propuseram ao País lidar com a prática do aborto, foi-lhe dado a escolher o blue pill ou o red pill.
Ou tomar um comprimido para aplacar a consciência ou tomar outro diferente que o levava de viagem às entranhas do problema remexendo-as com as mãos.
E o País soube optar.
Bastaria admitir a escolha do blue pill e a "solução" de consciência.
Mas não...
...Irritante viciozinho das narrativas heróicas.
Ao despenalizar o aborto ao limite de 10 semanas e ao convocar para a festa os votantes do contrário, pretende-se fechar o ciclo.
Dissipar a dissensão.
Unanimizar a versão de uma solução encontrada e burilar as arestas da ética da resistência.
Estranhamente, nas reacções televisivas aos resultados da noite, apenas Marques Mendes - mero quasi vertebrado - referiu as obrigações de um País pós-referendo, de um Governo, de uma classe de políticos relapsos, na busca das soluções para o problema do aborto que estava por encontrar.
Só o dito, e mais ninguém.
A mais ninguém se ouviu que aquilo que mais relevava estava ainda por talhar. Apenas festa e triunfo.
Quem se ouviu na noite de 11 exigir aos "governantes" deste Estado alternativo as condições sociais, profissionais, financeiras, familiares e afins, que sustentem a gravidez de uma mulher portuguesa?
Que lhe permitam escolher. Encarar o seu futuro.
Que a resgatem do aborto - o tal mal indesejado - que candidamente se lhe oferece.
Quem se ouviu dizê-lo alto? Ninguém. Absolutamente ninguém.
Os "do poder" não se arriscam. Isto é, não se comprometem.
Os "das franjas" querem mais. Mais um voto aqui e ali. Hoje, já, que o tempo corre.
O aborto clandestino, que agora se normaliza, nunca foi o problema.
Nem as condições do fazê-lo.
Nem a pena a sujeitar-se mulheres para ele empurradas.
O problema é O ABORTO. Sempre foi e há-de ser. O drama, o perigo, o inimigo.
E a questão vertical - que nunca teve resposta porque nunca se perguntou - seria o que há a fazer para que ele nunca aconteça. Para que nunca seja a saída.
Mas esse era o red pill.
Que Portugal não tomou.
2 comentários:
Parabéns, poucas pessoas tenho lido com tais certezas.
Absolutamente de acordo. Sempre foi essa a via que eu esperava que o povo reivindicasse, mas não... enterrou a cabeça na areia do relativismo e do facilitismo, passou um cheque em branco ao governo e aos partidos e... absteve-se!
Falta maturidade, ou eventualmente, formação e informação, bem como duas ou três gerações, para que num futuro a longo prazo, Portugal saiba realmente o que quer!
Um abraço
PP
Para onde foi o "espírito de Abril" em que todos tinham opinião?
Custou-me ouvir algumas mulheres, após o resultado do referendo (?):"Hoje foi o dia mais feliz da minha vida...". Terá sido?
Que condições se irão impor à mulher que decida abortar? Ou tornar-se-á o aborto mais um método anticoncepcional?
Já duas clínicas estrangeiras que realizam abortos, estavam de "garras afiadas" para se instalarem em Portugal...
Por outro lado, criminalizar uma desgraçada porque não teve dinheiro para ir a Espanha...
Faltou o esclarecimento...
Faltou a participação: Portugal continua de costas voltadas para si próprio...
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